Que nem limão

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sábado, 27 de agosto de 2016

Guardadores de palavras

As palavras são tão importantes que precisam ser guardadas. E eu sou uma guardadora de palavras. 

Para mim, guardar remete a dar um lugar e a cuidar. E um guardador de palavras faz as duas coisas. 

Dar um lugar é se posicionar de tal forma que nada pode ser jogado fora. Tudo é importante. Guardar palavras não é fácil. É diferente de organizar o guarda-roupa em que você deve encontrar um lugar certo para cada coisa. Eu diria que essa prática é contrária a qualquer sistema de organização, porque não existe uma lógica em relação a elas do tipo: "ah, faz anos que eu não uso mais essa palavra, então, eu vou jogá-la fora ou dá-la para outra pessoa". 

Não, não. Cada palavra será sempre insubstituível e jogar uma fora faz um buraco das mais diversas dimensões. Por isso o guardador tem que também ter dotes de decorador, ter certo talento criativo. Eu acho que é impossível guardar palavras se o guardador se contenta com o feijão com arroz da vida.  

Quando você é um guardador de palavras, descobre que muitas e muitas vezes, não há nada a fazer com esses buracos. Podemos até tentar construir uma ponte que permita com que cheguemos ao outro lado, mas esses arranjos costumam ser bem frágeis e podem nos derrubar na travessia. 

E os buracos persistem. 

Algumas pessoas dizem: precisamos dar um jeito de tapar esse buraco, vamos enchê-lo com alguma coisa. Mas à medida que aprendi a guardar as palavras, entendi que esse terreno acidentado faz parte dos efeitos que elas causam em nós. Como guardadora, me percebi também cheia de buracos e claro que às vezes gasto muito tempo tentando preenchê-los, pois eu também me apoio nas minhas construções imaginárias.

Além de guardadora de palavras eu ajudo a formar outros guardadores. São dois trabalhos difíceis, pois guardadores e formadores precisam fugir da onipotência do saber. Sempre que eles pensam saber, eles se equivocam. Então guardadores e formadores, muitas vezes precisam dizer: eu não tenho a menor a ideia como te ajudar, mas estou aqui.

Como guardadora e como formadora me assusto mais com os que sabem demais e que usam a função como um nome bonito que legitimará frases que tem efeito de pontes capengas que ligam os dois lados de um abismo. As chances de você cair ao usar esse tipo de ponte são bem grandes. E às vezes eu fico ranzinza e penso que já que guardar palavras é difícil, alguns escolhem enfeitá-las.

Só que elas são duras e devem ser. Pois só sendo duras é que conseguem o efeito de inscrição que causam. Inscrição do sujeito que advém da força delas. Por esse precisam ser guardadas, jogá-las fora é desistir de quem somos.

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